Batman: O Cavaleiro das Trevas

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Há histórias em quadrinhos e há histórias em quadrinhos. O primeiro grupo a gente lê, se diverte (vamos fingir que não existe HQ chata, ok?) e esquece que existe, pelo menos até o mês seguinte. Já o segundo grupo, a gente lê, mas não esquece. Essas HQs sobrevivem ao teste do tempo, viram lenda entre nerds e filhos dos nerds (quem mandou transarem sem camisinha? Sim, nerds também fazem sexo). Enfim, viram clássicos. Batman – O Cavaleiro das Trevas, mini-série em quatro edições, entra nessa categoria.

Foi Frank Miller quem escreveu e desenhou a história em questão, antes dele se tornar a paródia de si mesmo em Cavaleiro das Trevas 2, aquele papel higiênico disfarçado de HQ. Mas isso é outra história, vamos voltar ao primeiro Cavaleiro das Trevas.

A trama se passa num futuro alternativo, no qual Bruce Wayne abandonou o manto de Batman há mais de 20 anos. O crime domina Gotham City e o governo americano está à beira de uma guerra nuclear com a União Soviética (gente, eram os anos 80). Mas durante uma bela noite, cai uma forte tempestade. Wayne descobre que só passa porcaria na TV e as lembranças da morte de seus pais vêm a tona. Para matar o tempo, ele volta ser… tchan-tchan-tchan-tchan! O Batman! E os criminosos que se cuidem.

Difícil de acreditar que Miller fez uma obra-prima partindo duma bobagem dessas, mas ele conseguiu. Até hoje os nerds (e seus filhos) comentam da violência da série (Batman é um verdadeiro sádico), do humor negro da prosa de Miller e da luta fenomenal entre o Homem-Morcego e o Super-Homem no clímax da aventura. Os mais intelectuais também falam coisas como “revolucionou as HQs” e “tornou os heróis sombrios e atormentados, com mais densidade psicológica” e etc.

Aliás, não concordo com um ponto dessa última afirmação. Batman NÃO é atormentado em Cavaleiro das Trevas. Antes de Wayne sair de sua aposentadoria como combatente do crime, ele é fraco e deprimido. Mas quando veste o manto do morcego… Miller sempre afirmou que nunca quis fundar uma religião quando escreveu a história. Pode ser, mas foi o que fez. Afinal, Batman é um semi-deus na trama. Fazendo uma comparação boba, Miller seria Homero e Batman, seu Aquiles.

Nas mãos de Miller, Batman pode tudo. Até enfrentar o Super-Homem de igual para igual. Se você quer se identificar com o herói, é melhor ler a última edição de Homem-Aranha. Se quiserem personagens imperfeitos, leiam Watchmen de Alan Moore, outro clássico das HQs, publicado na mesma época de Cavaleiro das Trevas. Aliás, Watchmen é uma outra leitura indispensável, mas eu comento sobre essa obra-prima outro dia.

Agora, por que Cavaleiro das Trevas se tornou um clássico? Primeiro, pela forte caracterização do herói, como já destaquei. Segundo, pela maneira inteligente de usar todos os coadjuvantes inesquecíveis do Homem-Morcego: Gordon, Alfred, Robin, Duas-Caras, Coringa, Super-Homem, etc. Terceiro e mais importante, a narrativa brilhante e repleta de suspense, prendendo nossos fôlego em cada cena, página por página.

Aliás, uma das sacadas na narração, que depois influenciou vários escritores, são os depoimentos na televisão de jornalistas, políticos e testemunhas inseridos no meio da história. Assim, o leitor pode entender e se identificar com o “homem comum” e suas reações ao retorno do Batman. E Miller aproveita para criticar a mídia fútil e sensacionalista, sempre em busca de sangue para exibir nos noticiários.

Entretanto, a crítica mais importante de Miller é política, dirigida ao governo dos EUA. Em Cavaleiro das Trevas, o Presidente dos EUA é um astuto, que não liga para a segurança da população, só quer aumentar seu poder (pois é, isso era novidade nos anos 80). O Presidente manipula o Super-Homem para enfrentar o Batman, já que este seria um “perigoso subversivo”. A luta entre os heróis encerra a história, mas não vou dizer quem vence no final, né?

Pouca coisa envelheceu na mini-série. Além da URSS não existir mais, a arte de Miller é fraca para os padrões atuais (mas a diagramação das páginas continua perfeita). O próprio Miller já se mostrou superior no desenho em obras como Sin City e 300 de Esparta. Mas isso não importa, este é um gibi para guardar com destaque na coleção. É para ler e reler, pois o conteúdo continua atual. E para quem não acredita que Histórias em Quadrinhos podem ser arte, ler Cavaleiro das Trevas pode ser uma grande surpresa.

P.S.: Batman – O Cavaleiro das Trevas foi publicado nas seguintes datas:

1986 – 1º Publicação nos EUA (DC Comics)

1987 – 1º Publicação no Brasil (Abril)

1993 – 2º Publicação no Brasil (Abril)

1997 – 3º Publicação no Brasil (Abril)

2002 – 4º Publicação no Brasil (Panini)

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